O
Princípio da Separação dos Poderes “mitigado”
à
luz dos “Direitos Fundamentais”[1]
Luciano Marcos Paes[2]
O princípio da
separação dos poderes já se encontra sugerido em Aristóteles, John Locke e
Rosseau sendo ao final definido e divulgado por Montesquieu tornando-se com a
Revolução Francesa um dogma constitucional a ponto de o art. 16 da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 estabelecer que não teria
constituição a sociedade que não assegurasse a separação dos poderes, configurando
assim, extrema relevância para garantia dos Direitos do Homem.[3]
A proposta de separação
de poderes é essencialmente um instrumento de limitação do poder político onde
a
separação de poderes é orientada a impedir que todas as funções estatais sejam
concentradas em uma única estrutura organizacional e isso produz um sistema de
freios e contrapesos e permite que ‘o poder controle o próprio poder’ além de
estarem orientadas a promover três finalidades distintas, que são a democracia,
a competência profissional e a ampliação dos direitos fundamentais.[4]
Assim, ocorre uma
fragmentação do poder com uma pluralidade de sujeitos exercitando competências distintas
e controle recíproco, todavia essa separação de poderes a partir dessa
definição clássica, em tempos modernos já passa a ser mitiga como poderá se
verificar a partir da pesquisa realizada.
Tradicionalmente
existem três funções estatais que são a administração, a legislação e a
jurisdição, sendo cada uma delas atribuída a um Poder distinto onde, no Brasil,
o Poder Judiciário é investido da competência jurisdicional, o Poder
Legislativo é titular da competência legislativa ou legiferante e o Poder Executivo
desempenha a competência administrativa ou executiva.
De fato, os “Poderes”
(órgãos) são independentes entre si, cada qual atuando dentro de sua parcela de
competência constitucionalmente estabelecida e assegurada quando da
manifestação do poder constituinte
originário:
Nesse
sentido, as atribuições asseguradas não poderão ser delegadas de um Poder
(órgão) a outro. Trata-se do princípio
da indelegabilidade de atribuições. Um órgão só poderá exercer atribuições
de outro, ou da natureza típica de outro, quando houver expressa previsão (e aí
surgem as funções atípicas) e, diretamente, quando houver delegação por parte
do poder constituinte originário [...] uma vez que a Constituição Federal de
1988 erigiu à categoria de cláusula
pétrea a separação dos Poderes, conforme se observa pelo art. 60, parágrafo
4.º, inciso III. [5](grifo do autor)
Entretanto a vida
moderna apresenta fenômenos novos dentre os quais podemos citar a judicialização da vida que tem como
grande causa a redemocratização do país tornando possível o exercício da
cidadania a partir de um maior nível de informação e consciência de direitos
nos mais amplos segmentos da população, isso, a partir de direitos assegurados
na norma constitucional estabelecida em 1988 e que transformou Política em
Direito, ou seja, uma pretensão jurídica que pode ser formulada sob a forma de
uma ação judicial.
Neste contexto, segue
como causa da judicialização da vida
o controle de constitucionalidade implementado no sistema brasileiro e que
possibilita a qualquer juiz ou tribunal deixar de aplicar a lei, em um caso
concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional
(controle incidental difuso) bem como também pode haver o controle por ação
direta, permitindo que determinadas matérias sejam levadas, em tese,
imediatamente ao Supremo Tribunal Federal para análise de constitucionalidade.
Assim, também como em
diferentes partes do mundo e em épocas diferentes, as cortes constitucionais vêm
se destacando como protagonistas de questões de largo alcance político,
inclusive interferindo na implementação das políticas públicas ou escolhas
morais nos mais variados temas controvertidos da sociedade moderna, trilhando
um limiar tênue na fronteira que separa a política da justiça nos dias atuais.
É fato o avanço da
atividade judiciária em funções típicas do poder legislativo como bem refere o eminente
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski em seu voto datado de
19/09/2007 quando o Tribunal Pleno julga o MANDADO DE INJUNÇÃO 708-0/DISTRITO
FEDERAL que trata sobre o direito à greve do servidor público:
Pareceu-me,
também, naquele momento, que a solução de aplicar-se a Lei 7.783/89 ao caso sob
exame, ainda que com algumas modificações pontuais, representaria um avanço
indevido do Judiciário em seara atribuída a outro Poder, não havendo o que
diferenciasse tal decisão de uma típica função legislativa.
Observei, então,
que ao Poder Legislativo compete expedir normas de caráter geral e abstrato
para regular determinadas situações ocorrentes na realidade fenomênica, não me parecendo legítimo que esta Corte, a pretexto
de viabilizar o exercício de direito fundamental por parte de determinada
pessoa ou grupo de pessoas, no âmbito do mandado de injunção, pudesse expedir
regulamentos para disciplinar, em tese, tal ou qual situação, ou adotar diploma
normativo vigente aplicável a situação diversa. Tal risco parecia-me ainda mais
preocupante caso se pretendesse emprestar eficácia erga omnes à decisão, como
aventado à oportunidade.[6]
Interessante observar ainda
que, sopesando e revendo posicionamento anterior o Ministro Ricardo Levandowski
segue dizendo em seu voto:
Entretanto,
refletindo melhor sobre o tema, e comungando com a preocupação já manifestada
pelos meus eminentes pares, em julgamentos de casos análogos, no sentido de
conferir-se efetividade real e concreta ao mandado de injunção, evoluo em minha
concepção original, para conferir solução distinta ao presente caso, daquela
que preconizei anteriormente.
E o faço extraindo da própria Lei 7.783/89
princípios e regras que me parecem aplicáveis à hipótese, com vistas a
formular, desse modo, regulamentação para o caso concreto, tendo como fonte de
inspiração o texto legal já existente.
Assim sendo,
asseguro o exercício do direito de greve aos trabalhadores em educação do
município de João Pessoa, desde que atendidas as seguintes exigências [...] [7]
Os Poderes no Brasil
são autônomos e nenhum Poder é superior aos demais já que no âmbito das
próprias competências, cada Poder é inviolável como já referido, exceto
naqueles casos previstos na Constituição Federal de 1988 de modo a permitir que
atos praticados no âmbito de um deles possam ser revistos por outro.[8]
Todavia a jurisdição
constitucional bem exercida é muito mais uma garantia da democracia do que
propriamente um risco, porém, com exceção do que seja essencial para preservar
a democracia e os direitos fundamentais, em relação a tudo mais da vida
política, devem ser “os que tem votos” – Poder Legislativo e Executivo - a
conduzir tais decisões e, assim, Juízes e tribunais não podem presumir demais
de si próprios impondo suas escolhas, suas referência e sua vontade, devem sim,
atuar legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas
decisões, tudo com base na Constituição já que em uma cultura pós-positivista,
o Direito se aproxima da Ética mas também não é possível ignorar que a linha
divisória entre Direito e Política nem sempre é nítida e certamente não é fixa[9].
Com efeito, ainda há a
questão da Súmula Vinculante em relação de tensão para com o Princípio da Separação
dos Poderes eis que fruto de uma função anômala do Poder Judiciário e que tem
caráter normativo da conduta dos órgãos do Poder Judiciário bem como da
administração pública em geral.
De fato o judiciário
quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir. Ter uma avaliação criteriosa
da própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder, em
auto-limitação espontânea, antes eleva do que diminui já que o poder criativo
do intérprete judicial se expande a um nível quase normativo uma vez que estão em
tensão princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, especialmente o
princípio da separação dos poderes, as garantias da inafastabilidade da
jurisdição e do devido processo legal.
Não cabe ao Poder
Judiciário à formulação, em tese, de
regras gerais ou abstratas, sob pena
de violação do princípio da separação dos poderes e da garantia da legalidade,
segundo a qual ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em
virtude de lei.[10]
Igualmente no que se
refere à edição de Súmula Vinculante não se pode olvidar que
Dada
à necessária fundamentação da súmula vinculante na legislação, bem como vista a
imperativa necessidade de identificar ou distinguir essas circunstâncias dos
precedentes em cotejo às circunstâncias do caso concreto, o que pode afastar a
incidência da súmula, a introdução do novel
instituto em nosso sistema jurídico nada mais se faz do que se instituir
uma elipse para se chegar ao mesmo
ponto, ou seja aos dispositivos legais
dos quais, através da atividade interpretativa, buscará o aplicador extrair as
normas jurídicas, sejam elas regras ou princípios, para a solução do caso
concreto sub judice.[11]
E nessa mesma linha, consequentemente o
Poder Judiciário tem no Supremo Tribunal Federal a instância máxima para
interpretar a Constituição brasileira, o que não significa que está autorizado
a reescrevê-la – como aparentemente o fez ao equiparar “casamento” e “união
civil” para casais homossexuais - e assim, substituir a legitimidade concedida
pelo voto de milhões de brasileiros, inovando sem o devido respaldo
constitucional, principalmente quando são tratados assuntos controvertidos ou
discriminatórios, com a justificativa de que o Congresso não legisla sobre
determinado tema, sob pena de se extrapolar competências e mudar conceitos estabelecidos
pelo constituinte originário mitigando o princípio da separação dos poderes com
a justificativa de se proteger minorias em detrimento de uma vontade da maioria
consolidada na Constituição e estabelecendo assim, pelas mãos do Supremo
Tribunal Federal, uma ditadura das minorias ou uma ditadura de juízes. [12]
No Brasil a “judicialização da política”
é caracterizada pelo exercício por parte do Poder Judiciário das funções
típicas dos outros Poderes (Legislativo e Executivo) que tem origem a partir da
Constituição Federal de 1988 onde o Poder Judiciário se vê obrigado a
interpretar o ordenamento jurídico infra-constitucional em conformidade com a
Constituição.
Para
o jurista José Afonso da Silva “em geral, entende-se que as interpretações
criativas mais avançadas e controvertidas são aquelas que contitucionalizam
novos direitos por via de construção e do ativismo judicial”[13]
porém tal atitude faz se judiciar por intermédio de princípios o que termina
por imprimir ao Poder Judiciário uma postura ativa e criadora que pode lamentavelmente
resultar na perda de legitimidade do Estado Democrático de Direito.[14]
REFERÊNCIAS
BARROSO,
Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática.
Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2008-dez-
22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica, acesso em 04/06/2014.
BRASIL.
Mandado de Injunção n.º 708-0/DISTRITO FEDERAL. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaagendaministro/anexo/mi708.pdf>,
acesso em 04/06/2014.
DOUGLAS,
Willian. STF quis reescrever a Constituição. Disponível em http://www.conjur.com.br/2011-mai-13/stf-quis-reescrever-constituicao-votar-uniao-homoafetiva,
acesso em 04/06/2014.
JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de
Direito Administrativo. 9. Ed. ver., atual e ampl. Editora Revista dos
Tribunais. São Paulo, 2013.
LENZA, Pedro. Direito
Constitucional Esquematizado. 15. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo. Editora
Saraiva, 2011.
SGARBOSSA,
Luís Fernando; JENSEN, Geziela. Súmula vinculante, princípio da separação dos
poderes e metódica de aplicação do direito sumular. Repercussões recíprocas.
Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1798, 3 jun. 2008. Disponível em:
http://jus.com.br/revista/texto/11327, acesso em 04/06/2014.
SILVA,
José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores São
Paulo, SP, 2006.
______,
Seminário sobre Ativismo Judicial e seus limites. Disponível em http://www.oab.org.br/noticia/25758/jose-afonso-da-silva-aborda-o-ativismo-judicial-em-seminario-da-oab,
acesso em 10/06/2014.
WIKIPÉDIA.
Ativismo Judicial. Conceito de Ativismo
Judicial. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ativismo_judicial>, acesso em 04/06/2014.
[1] Trabalho do semestre 2014/2 para a disciplina de
Direito Administrativo I, ministrada pelo Professor Me. Gabriel Sturtz.
[2] Acadêmico do Curso de Direito na
Universidade de Caxias do Sul,, Campus do Vale do Caí, RS.
[4] JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de
Direito Administrativo. 9. Ed. ver., atual e ampl. Editora Revista dos
Tribunais. São Paulo, 2013, p. 113.
[5]
LENZA, Pedro. Direito
Constitucional Esquematizado. 15. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo. Editora
Saraiva, 2011, p. 436.
[6]
Íntegra do voto disponível
em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaagendaministro/anexo/mi708.pdf>,
acesso em 04/06/2014.
[8]
JUSTEM FILHO, Marçal. Curso
de Direito Administrativo. 9. Ed. ver., atual e ampl. Editora Revista dos Tribunais.
São Paulo, 2013, p. 119.
[9]
BARROSO,
Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática.
Disponível em http://www.conjur.com.br/2008-dez-
22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica, acesso em 04/06/2014.
[10] SGARBOSSA, Luís Fernando;
JENSEN, Geziela. Súmula vinculante, princípio da separação dos poderes e
metódica de aplicação do direito sumular. Repercussões recíprocas. Jus
Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1798, 3 jun. 2008. Disponível em:
http://jus.com.br/revista/texto/11327, acesso em 04/06/2014.
[12]
DOUGLAS, Willian. STF quis
reescrever a Constituição. Disponível em http://www.conjur.com.br/2011-mai-13/stf-quis-reescrever-constituicao-votar-uniao-homoafetiva,
acesso em 04/06/2014.
[13] SILVA,
José Afonso da. Seminário sobre Ativismo Judicial e seus limites. Disponível
em
http://www.oab.org.br/noticia/25758/jose-afonso-da-silva-aborda-o-ativismo-judicial-em-seminario-da-oab,
acesso em 10/06/2014.
[14]
Conceito
de Ativismo Judicial disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ativismo_judicial>,
acesso em 04/06/2014.