sexta-feira, 13 de junho de 2014

O Princípio da Separação dos Poderes “mitigado” à luz dos “Direitos Fundamentais”

O Princípio da Separação dos Poderes “mitigado”
à luz dos “Direitos Fundamentais”[1]
Luciano Marcos Paes[2]


O princípio da separação dos poderes já se encontra sugerido em Aristóteles, John Locke e Rosseau sendo ao final definido e divulgado por Montesquieu tornando-se com a Revolução Francesa um dogma constitucional a ponto de o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 estabelecer que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação dos poderes, configurando assim, extrema relevância para garantia dos Direitos do Homem.[3]
A proposta de separação de poderes é essencialmente um instrumento de limitação do poder político onde

a separação de poderes é orientada a impedir que todas as funções estatais sejam concentradas em uma única estrutura organizacional e isso produz um sistema de freios e contrapesos e permite que ‘o poder controle o próprio poder’ além de estarem orientadas a promover três finalidades distintas, que são a democracia, a competência profissional e a ampliação dos direitos fundamentais.[4]

Assim, ocorre uma fragmentação do poder com uma pluralidade de sujeitos exercitando competências distintas e controle recíproco, todavia essa separação de poderes a partir dessa definição clássica, em tempos modernos já passa a ser mitiga como poderá se verificar a partir da pesquisa realizada.
Tradicionalmente existem três funções estatais que são a administração, a legislação e a jurisdição, sendo cada uma delas atribuída a um Poder distinto onde, no Brasil, o Poder Judiciário é investido da competência jurisdicional, o Poder Legislativo é titular da competência legislativa ou legiferante e o Poder Executivo desempenha a competência administrativa ou executiva.
De fato, os “Poderes” (órgãos) são independentes entre si, cada qual atuando dentro de sua parcela de competência constitucionalmente estabelecida e assegurada quando da manifestação do poder constituinte originário:

Nesse sentido, as atribuições asseguradas não poderão ser delegadas de um Poder (órgão) a outro. Trata-se do princípio da indelegabilidade de atribuições. Um órgão só poderá exercer atribuições de outro, ou da natureza típica de outro, quando houver expressa previsão (e aí surgem as funções atípicas) e, diretamente, quando houver delegação por parte do poder constituinte originário [...] uma vez que a Constituição Federal de 1988 erigiu à categoria de cláusula pétrea a separação dos Poderes, conforme se observa pelo art. 60, parágrafo 4.º, inciso III. [5](grifo do autor)

Entretanto a vida moderna apresenta fenômenos novos dentre os quais podemos citar a judicialização da vida que tem como grande causa a redemocratização do país tornando possível o exercício da cidadania a partir de um maior nível de informação e consciência de direitos nos mais amplos segmentos da população, isso, a partir de direitos assegurados na norma constitucional estabelecida em 1988 e que transformou Política em Direito, ou seja, uma pretensão jurídica que pode ser formulada sob a forma de uma ação judicial.
Neste contexto, segue como causa da judicialização da vida o controle de constitucionalidade implementado no sistema brasileiro e que possibilita a qualquer juiz ou tribunal deixar de aplicar a lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional (controle incidental difuso) bem como também pode haver o controle por ação direta, permitindo que determinadas matérias sejam levadas, em tese, imediatamente ao Supremo Tribunal Federal para análise de constitucionalidade.
Assim, também como em diferentes partes do mundo e em épocas diferentes, as cortes constitucionais vêm se destacando como protagonistas de questões de largo alcance político, inclusive interferindo na implementação das políticas públicas ou escolhas morais nos mais variados temas controvertidos da sociedade moderna, trilhando um limiar tênue na fronteira que separa a política da justiça nos dias atuais.
É fato o avanço da atividade judiciária em funções típicas do poder legislativo como bem refere o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski em seu voto datado de 19/09/2007 quando o Tribunal Pleno julga o MANDADO DE INJUNÇÃO 708-0/DISTRITO FEDERAL que trata sobre o direito à greve do servidor público:

Pareceu-me, também, naquele momento, que a solução de aplicar-se a Lei 7.783/89 ao caso sob exame, ainda que com algumas modificações pontuais, representaria um avanço indevido do Judiciário em seara atribuída a outro Poder, não havendo o que diferenciasse tal decisão de uma típica função legislativa.
Observei, então, que ao Poder Legislativo compete expedir normas de caráter geral e abstrato para regular determinadas situações ocorrentes na realidade fenomênica, não me parecendo legítimo que esta Corte, a pretexto de viabilizar o exercício de direito fundamental por parte de determinada pessoa ou grupo de pessoas, no âmbito do mandado de injunção, pudesse expedir regulamentos para disciplinar, em tese, tal ou qual situação, ou adotar diploma normativo vigente aplicável a situação diversa. Tal risco parecia-me ainda mais preocupante caso se pretendesse emprestar eficácia erga omnes à decisão, como aventado à oportunidade.[6]

Interessante observar ainda que, sopesando e revendo posicionamento anterior o Ministro Ricardo Levandowski segue dizendo em seu voto:

Entretanto, refletindo melhor sobre o tema, e comungando com a preocupação já manifestada pelos meus eminentes pares, em julgamentos de casos análogos, no sentido de conferir-se efetividade real e concreta ao mandado de injunção, evoluo em minha concepção original, para conferir solução distinta ao presente caso, daquela que preconizei anteriormente.
 E o faço extraindo da própria Lei 7.783/89 princípios e regras que me parecem aplicáveis à hipótese, com vistas a formular, desse modo, regulamentação para o caso concreto, tendo como fonte de inspiração o texto legal já existente.
Assim sendo, asseguro o exercício do direito de greve aos trabalhadores em educação do município de João Pessoa, desde que atendidas as seguintes exigências [...] [7]

Os Poderes no Brasil são autônomos e nenhum Poder é superior aos demais já que no âmbito das próprias competências, cada Poder é inviolável como já referido, exceto naqueles casos previstos na Constituição Federal de 1988 de modo a permitir que atos praticados no âmbito de um deles possam ser revistos por outro.[8]
Todavia a jurisdição constitucional bem exercida é muito mais uma garantia da democracia do que propriamente um risco, porém, com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em relação a tudo mais da vida política, devem ser “os que tem votos” – Poder Legislativo e Executivo - a conduzir tais decisões e, assim, Juízes e tribunais não podem presumir demais de si próprios impondo suas escolhas, suas referência e sua vontade, devem sim, atuar legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões, tudo com base na Constituição já que em uma cultura pós-positivista, o Direito se aproxima da Ética mas também não é possível ignorar que a linha divisória entre Direito e Política nem sempre é nítida e certamente não é fixa[9].
Com efeito, ainda há a questão da Súmula Vinculante em relação de tensão para com o Princípio da Separação dos Poderes eis que fruto de uma função anômala do Poder Judiciário e que tem caráter normativo da conduta dos órgãos do Poder Judiciário bem como da administração pública em geral.
De fato o judiciário quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir. Ter uma avaliação criteriosa da própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder, em auto-limitação espontânea, antes eleva do que diminui já que o poder criativo do intérprete judicial se expande a um nível quase normativo uma vez que estão em tensão princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, especialmente o princípio da separação dos poderes, as garantias da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal.
Não cabe ao Poder Judiciário à formulação, em tese, de regras gerais ou abstratas, sob pena de violação do princípio da separação dos poderes e da garantia da legalidade, segundo a qual ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.[10]
Igualmente no que se refere à edição de Súmula Vinculante não se pode olvidar que

Dada à necessária fundamentação da súmula vinculante na legislação, bem como vista a imperativa necessidade de identificar ou distinguir essas circunstâncias dos precedentes em cotejo às circunstâncias do caso concreto, o que pode afastar a incidência da súmula, a introdução do novel instituto em nosso sistema jurídico nada mais se faz do que se instituir uma elipse para se chegar ao mesmo ponto, ou seja aos dispositivos legais dos quais, através da atividade interpretativa, buscará o aplicador extrair as normas jurídicas, sejam elas regras ou princípios, para a solução do caso concreto sub judice.[11]

E nessa mesma linha, consequentemente o Poder Judiciário tem no Supremo Tribunal Federal a instância máxima para interpretar a Constituição brasileira, o que não significa que está autorizado a reescrevê-la – como aparentemente o fez ao equiparar “casamento” e “união civil” para casais homossexuais - e assim, substituir a legitimidade concedida pelo voto de milhões de brasileiros, inovando sem o devido respaldo constitucional, principalmente quando são tratados assuntos controvertidos ou discriminatórios, com a justificativa de que o Congresso não legisla sobre determinado tema, sob pena de se extrapolar competências e mudar conceitos estabelecidos pelo constituinte originário mitigando o princípio da separação dos poderes com a justificativa de se proteger minorias em detrimento de uma vontade da maioria consolidada na Constituição e estabelecendo assim, pelas mãos do Supremo Tribunal Federal, uma ditadura das minorias ou uma ditadura de juízes. [12]
No Brasil a “judicialização da política” é caracterizada pelo exercício por parte do Poder Judiciário das funções típicas dos outros Poderes (Legislativo e Executivo) que tem origem a partir da Constituição Federal de 1988 onde o Poder Judiciário se vê obrigado a interpretar o ordenamento jurídico infra-constitucional em conformidade com a Constituição.

Para o jurista José Afonso da Silva “em geral, entende-se que as interpretações criativas mais avançadas e controvertidas são aquelas que contitucionalizam novos direitos por via de construção e do ativismo judicial”[13] porém tal atitude faz se judiciar por intermédio de princípios o que termina por imprimir ao Poder Judiciário uma postura ativa e criadora que pode lamentavelmente resultar na perda de legitimidade do Estado Democrático de Direito.[14]



REFERÊNCIAS



BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em:
 http://www.conjur.com.br/2008-dez- 22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica, acesso em 04/06/2014.

BRASIL. Mandado de Injunção n.º 708-0/DISTRITO FEDERAL. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaagendaministro/anexo/mi708.pdf>, acesso em 04/06/2014.

DOUGLAS, Willian. STF quis reescrever a Constituição. Disponível em http://www.conjur.com.br/2011-mai-13/stf-quis-reescrever-constituicao-votar-uniao-homoafetiva, acesso em 04/06/2014.

JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9. Ed. ver., atual e ampl. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2013.       

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo. Editora Saraiva, 2011.

SGARBOSSA, Luís Fernando; JENSEN, Geziela. Súmula vinculante, princípio da separação dos poderes e metódica de aplicação do direito sumular. Repercussões recíprocas. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1798, 3 jun. 2008. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/11327, acesso em 04/06/2014.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores São Paulo, SP, 2006.

______, Seminário sobre Ativismo Judicial e seus limites. Disponível em  http://www.oab.org.br/noticia/25758/jose-afonso-da-silva-aborda-o-ativismo-judicial-em-seminario-da-oab, acesso em 10/06/2014.

WIKIPÉDIA. Ativismo Judicial. Conceito de  Ativismo Judicial. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ativismo_judicial>, acesso em 04/06/2014.




[1] Trabalho do semestre 2014/2 para a disciplina de Direito Administrativo I, ministrada pelo Professor Me. Gabriel Sturtz.
[2] Acadêmico do Curso de Direito na Universidade de Caxias do Sul,, Campus do Vale do Caí, RS.
[4] JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9. Ed. ver., atual e ampl. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2013, p. 113.
[5] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo. Editora Saraiva, 2011, p. 436.
[6] Íntegra do voto disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaagendaministro/anexo/mi708.pdf>, acesso em 04/06/2014.
[7] Op. cit.
[8] JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9. Ed. ver., atual e ampl. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2013, p. 119.       
[9] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em http://www.conjur.com.br/2008-dez- 22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica, acesso em 04/06/2014.
[10] SGARBOSSA, Luís Fernando; JENSEN, Geziela. Súmula vinculante, princípio da separação dos poderes e metódica de aplicação do direito sumular. Repercussões recíprocas. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1798, 3 jun. 2008. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/11327, acesso em 04/06/2014.
[11] Op. cit.
[12] DOUGLAS, Willian. STF quis reescrever a Constituição. Disponível em http://www.conjur.com.br/2011-mai-13/stf-quis-reescrever-constituicao-votar-uniao-homoafetiva, acesso em 04/06/2014.
[13] SILVA, José Afonso da. Seminário sobre Ativismo Judicial e seus limites. Disponível em  http://www.oab.org.br/noticia/25758/jose-afonso-da-silva-aborda-o-ativismo-judicial-em-seminario-da-oab, acesso em 10/06/2014.
[14] Conceito de Ativismo Judicial disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ativismo_judicial>, acesso em 04/06/2014.